Direção: Anna AzevedoDocumentário, 73 min, 2021, Rio de JaneiroClassificação indicativa livreNo Canal Brasil: exibição no dia 12 de dezembro, às 23h30Na Inns...
Para pensar primeiro no futuro, há de se pensar no passado. O filme “Saudade do Futuro”, longa-metragem documental de Anna Azevedo estreou no Festival de Brasília parecendo estar em sintonia com o foco da 54ª edição. A seleção diz “o cinema do futuro e o futuro do cinema”. Pois bem, dito e feito, a cineasta reproduz os dizeres em formato espelhado, produzindo um documentário que poderia ser chamado de poético. Às vezes, de uma forma ensaísta. A obra é um híbrido desses dois para jogar na tela a palavra nostalgia como confluente dos países lusófonos.
Ficou famoso aquele mito e dizer sobre o português ser a única língua que a palavra saudade faz sentido. Que não possui tradução. É engraçado que tal funciona como um nacionalismo, ou melhor, um paternalismo do idioma. Uma chamada para priorizar as origens, concentrar a própria identidade portuguesa que na verdade é resultado de pressões galegas, castelhanas e asturo-leonesas. De fato, o uso vocabular dela é constante, o que reforça sua própria unidade como uma necessidade em si. Justifica-se, portanto, essa questão de priorizar uma defesa através da linguagem. E afinal, não há como negar, saudade é uma palavra linda e única, própria também do imaginário lusitano.
A partir desse comentário, a produção do filme de Anna Azevedo é realizada. A procura começa a ser realizada a partir de uma concepção de montagem de a mais b igual a c, isto é, existe uma relação entre os três países observados, Portugal, Brasil e Cabo Verde. A nostalgia, dada pelo mar, se traduz e especializa em uma saudade. As ondas, por sinal, marinhas, entregam uma espécie de sal poético, que vão e voltam. Agnès Varda adorava a praia e passava a mesma sensação que “Saudade do Futuro” entrega. O momento de maior impacto acaba se retendo no depoimento de três mulheres, uma delas mãe de Marielle Franco, Marinete da Silva. Existe uma dramaticidade misturada com a atmosfera que transforma a cena em pura emoção catalisada inclusive nas lágrimas do espectador.
As repetições, dadas pela edição, são momentos de solidez cinematográfica e de muito bom gosto. Outro momento de um interesse pelo menor, que na verdade é o resultado de mais interesse que a cineasta entrega, é o de uma montanha cheia de tijolinhos pintados, que espelham o morro. A diretora pede para crianças brincarem enquanto filma, passando por um momento em que as protagonistas são justamente aquelas que não possuem memória do passado. Mas elas se lembram e muito bem. Insere-se então a correlação de compreender o antes para o depois ser também entendível. O futuro, pois bem, é um relato que se desmancha no ar a partir de ações tão recentes (e também as originárias). O momento de força recai nas mãos de dois jovens, negros, recitando a Carta de Pero Vaz de Caminha. Proclamam não saber o que fazer e descreve muito bem uma geração cujas esperanças caem por terra tão facilmente. É esquisito como a comodidade e tolerância do mundo atual não parecem afetar o consequente. Ainda assim, reler a carta também traz um olhar possível positivo ao mundo. Um universo marejado, cujas águas sempre voltam aos personagens.
O ritmo, apesar de seguir uma lógica básica, parece que se prende muito em um conceito de rimas poéticas. Não possui estruturalmente falando, malemolência possível para conversar a respeito das próprias entraves. Portanto, passagens como em Portugal que é seu começo são um tanto pouco interessantes, enquanto o Brasil que, além de realidade próxima, é muito mais observada com atenção os pequenos intérpretes (o angolano Valter Hugo e Martinho da Vila estão no filme como meros coadjuvantes). Quando Anna Azevedo se prontifica a, como realizadora, se intrometer na película e sugerir ações, “Saudade do Futuro” brilha. É um cinema documental mais ativo, mais sugestivo e aplicado, que depende muito da própria autora. As escolhas acabam sendo próprias dela e o “eu” pode ser interpretado como um aplique dela própria dentro da tela. Talvez vá contra a lógica de alguns cineastas, mas quem sabe? Agnès Varda estava lá, no fim de sua vida, colocando espelhos na praia e pedindo para alguns andarilhos brincarem com os objetos. O brilho está aí, quem quiser que o aproveite muito bem, então.
Para pensar primeiro no futuro, há de se pensar no passado. O filme “Saudade do Futuro”, longa-metragem documental de Anna Azevedo estreou no Festival de Brasília parecendo estar em sintonia com o foco da 54ª edição. A seleção diz “o cinema do futuro e o futuro do cinema”. Pois bem, dito e feito, a cineasta reproduz os dizeres em formato espelhado, produzindo um documentário que poderia ser chamado de poético. Às vezes, de uma forma ensaísta. A obra é um híbrido desses dois para jogar na tela a palavra nostalgia como confluente dos países lusófonos.
Ficou famoso aquele mito e dizer sobre o português ser a única língua que a palavra saudade faz sentido. Que não possui tradução. É engraçado que tal funciona como um nacionalismo, ou melhor, um paternalismo do idioma. Uma chamada para priorizar as origens, concentrar a própria identidade portuguesa que na verdade é resultado de pressões galegas, castelhanas e asturo-leonesas. De fato, o uso vocabular dela é constante, o que reforça sua própria unidade como uma necessidade em si. Justifica-se, portanto, essa questão de priorizar uma defesa através da linguagem. E afinal, não há como negar, saudade é uma palavra linda e única, própria também do imaginário lusitano.
A partir desse comentário, a produção do filme de Anna Azevedo é realizada. A procura começa a ser realizada a partir de uma concepção de montagem de a mais b igual a c, isto é, existe uma relação entre os três países observados, Portugal, Brasil e Cabo Verde. A nostalgia, dada pelo mar, se traduz e especializa em uma saudade. As ondas, por sinal, marinhas, entregam uma espécie de sal poético, que vão e voltam. Agnès Varda adorava a praia e passava a mesma sensação que “Saudade do Futuro” entrega. O momento de maior impacto acaba se retendo no depoimento de três mulheres, uma delas mãe de Marielle Franco, Marinete da Silva. Existe uma dramaticidade misturada com a atmosfera que transforma a cena em pura emoção catalisada inclusive nas lágrimas do espectador.
As repetições, dadas pela edição, são momentos de solidez cinematográfica e de muito bom gosto. Outro momento de um interesse pelo menor, que na verdade é o resultado de mais interesse que a cineasta entrega, é o de uma montanha cheia de tijolinhos pintados, que espelham o morro. A diretora pede para crianças brincarem enquanto filma, passando por um momento em que as protagonistas são justamente aquelas que não possuem memória do passado. Mas elas se lembram e muito bem. Insere-se então a correlação de compreender o antes para o depois ser também entendível. O futuro, pois bem, é um relato que se desmancha no ar a partir de ações tão recentes (e também as originárias). O momento de força recai nas mãos de dois jovens, negros, recitando a Carta de Pero Vaz de Caminha. Proclamam não saber o que fazer e descreve muito bem uma geração cujas esperanças caem por terra tão facilmente. É esquisito como a comodidade e tolerância do mundo atual não parecem afetar o consequente. Ainda assim, reler a carta também traz um olhar possível positivo ao mundo. Um universo marejado, cujas águas sempre voltam aos personagens.
O ritmo, apesar de seguir uma lógica básica, parece que se prende muito em um conceito de rimas poéticas. Não possui estruturalmente falando, malemolência possível para conversar a respeito das próprias entraves. Portanto, passagens como em Portugal que é seu começo são um tanto pouco interessantes, enquanto o Brasil que, além de realidade próxima, é muito mais observada com atenção os pequenos intérpretes (o angolano Valter Hugo e Martinho da Vila estão no filme como meros coadjuvantes). Quando Anna Azevedo se prontifica a, como realizadora, se intrometer na película e sugerir ações, “Saudade do Futuro” brilha. É um cinema documental mais ativo, mais sugestivo e aplicado, que depende muito da própria autora. As escolhas acabam sendo próprias dela e o “eu” pode ser interpretado como um aplique dela própria dentro da tela. Talvez vá contra a lógica de alguns cineastas, mas quem sabe? Agnès Varda estava lá, no fim de sua vida, colocando espelhos na praia e pedindo para alguns andarilhos brincarem com os objetos. O brilho está aí, quem quiser que o aproveite muito bem, então.
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