A cada dia, torna-se mais iminente a necessidade de uma revolução se quisermos frear a destruição do meio ambiente e o esmagamento da classe trabalhadora.
Essa revolução não virá da “classe média” que vive numa ilusão de conforto meritocrático, mas das camadas socioeconômicas mais baixas que lutam para sobreviver desde que nasceram.
Não existe outra opção: ou morremos lutando por uma mudança significativa ou morreremos brigando por migalhas. De qualquer forma a única certeza que temos é um caminho de embates e morte.
Quando o Ailton Krenak fala sobre micropolítica, eu acho que o caminho é por aí. As pessoas são mais convencidas por exemplos que por discursos hoje em dia.
Não entendi, o que seria?
A maioria das pessoas não só come coisas aparentemente envenenadas, tipo morangos e tomates, como também consome muita coisa que nem sabe o que é. Tem uma composição lá qualquer, cheia de nomes que não sabemos o que significam. Ora, como é que você vai acreditar naquilo? Podem ter processado qualquer lixo e estarem te dando para comer. Por isso, seria muito melhor a gente cuidar da nossa sementinha, ver ela brotar, acompanhá-la, para então colher. Só assim você vai saber de onde vem o que come.
Em diferentes lugares, tem gente lutando para este planeta ter uma chance, por meio da agroecologia, da permacultura. Essa micropolítica está se disseminando e vai ocupar o lugar da desilusão com a macropolítica. Os agentes da micropolítica são pessoas plantando horta no quintal de casa, abrindo calçadas para deixar brotar seja lá o que for. Elas acreditam que é possível remover o túmulo de concreto das metrópoles.
A vida não é útil, Ailton Krenak
Ele está falando especificamente de agroecologia e permacultura, mas fazendo os paralelos dá para levar isso para vários outros cenários: não aceitar o pré-pronto, fazer das próprias mãos, encontrar novos jeitos de ser e estar no mundo.
Os exemplos de sucesso dessas tentativas vão ser mais eloquentes que qualquer forma de discurso.
Penso que o capitalismo se tornou tão poderoso, que é impossível uma revolução sem que a gente antes o enfraqueça. O consumismo capitalista já se tornou um aspecto nossa cultura, que as pessoas nem conseguem mais imaginar uma vida sem esse modo de consumo. Pras pessoas, felicidade é consumir, ter uma vida digna é consumir, e até mesmo as relações humanas se dão em torno de uma lógica de consumo. Esse consumismo traz uma espécie de conforto imediato, que as pessoas não conseguem largar. Isso me faz sempre lembrar do Mujica, quando dizia que o maior erro das esquerdas latinoamericanas foi transformar as pessoas em consumidoras, e não cidadãs.
Ainda tem o consumismo digital, que é pouco discutido, mas muito severo. Isso toma nosso tempo e energia mental, em troca de uma momentânea ação de neurotransmissores em nosso cérebro. Isso funciona como uma droga, que a gente não consegue largar. As pessoas sentem que precisam de mais e mais, mais conteúdo, mais dispositivos pra consumir o conteúdo, mais resolução, mais banda, mais processamento, mais hardware, mais serviços, mais funcionalidades simultâneas, mais coisas ao mesmo tempo, sempre com medo de perder as coisas (FOMO), sempre com medo de perder tempo, mas sempre desperdiçando o tempo.
Junto disso, vem mais 2 problemas sérios. Um é a manipulação de informação nas redes, dividindo as pessoas, amplificando preconceitos, nos tomando ainda mais tempo, criando cortinas de fumaça e empoderando movimentos na contramão dos nossos melhores interesses. O outro problema é a invasão à nossa privacidade e o monitoramento digital. Muita gente acha bobagem, porque não compreende as implicações disso, mas estamos falando de empresas obtendo informações suficientes pra nos compreender psicologicamente e usar isso contra a gente, nos manipulando de uma forma jamais antes imaginada, desde nossos hábitos e consumo, de vida, e também opiniões
Ainda tem também a questão da precarização do trabalho e do nosso modo de vida, sempre mascarados de melhorias e progresso tecnológico. Hoje a gente nos desgasta muito no trabalho, leva tarefas pra casa sem perceber (até coisas como responder mensagens dos outros, que podem parecer inocentes, tomam nosso tempo e energia), nos tornamos dependentes de serviços providos pelas grandes empresas (sem celular, a gente faz nada, sem sites específicos, a gente faz nada, etc). Ainda temos depois que cuidar da nossa saúde, pra nossa vida não entrar em colapso.
Como se isso não fosse suficiente, ainda tem o movimento político de extrema direita, alimentado pela manipulação da informação, que está destruindo nossa educação, nossos direitos, e tudo mais que conseguirem.
Fiz um resumão do que penso, mas até cansei de escrever kkkk. Mas basicamente, é isso aí, e esses problemas estão todos interligados entre si e se realimentando. Tudo isso faz a gente não ter organização, tempo, energia, e ainda ter nossa opinião e modo de vida manipulados. A gente nunca vai conseguir fazer uma revolução assim. A desorganização é tão grande, que a gente nem sequer consegue migrar de uma plataforma de rede social (vide povo no X falando mal do musk, mas não saindo do site dele), algo tão fácil quanto desinstalar um aplicativo e instalar outro, mas isso já é um nível de desconforto que as pessoas não conseguem mais se submeter, vide as questões acima. Imagina agora o nível de desconforto que seria fazer uma revolução!
Penso que pra se ter uma revolução, precisamos primeiro:
- sair das redes sociais das big techs e usar nossas próprias - enquanto tiver manipulação em massa, não haverá a organização necessária
- reconquistar nossa privacidade - enquanto nos monitorarem, a elite sempre estará um passo a frente para agir contra nós
- combater o consumismo capitalista - enquanto nossa vida for consumo e microconfortos imediatos, nunca conseguiremos tomar atitudes que causam desconforto a curto prazo, mas grandes benefícios a longo prazo. Fora que a redução do consumo colocaria as grandes empresas em crise e as enfraqueceria
- refortalecer os movimentos trabalhistas e lutar contra as precarizações - precisamos de organização, liderança e força